Espaço público e urbanismo tático

O avesso de Brasília ao avesso - O manueal colaborativo de ocupação do Conic

Eduarda Aun

Localizado no centro de Brasília, o Setor de Diversões Sul, mais conhecido como Conic, foi concebido por Lucio Costa como um lugar sofisticado e cosmopolita, que abrigasse funções voltadas ao comércio e ao entretenimento. Hoje é considerado por muitos como o avesso de Brasília. Devido a irregularidades durante a sua construção e principalmente aos usos e apropriações do espaço ao longo da sua história, é um lugar esquecido por boa parte da população e principalmente pelas autoridades locais.

Por um lado, este abandono acabou gerando um espaço único em Brasília que reúne muita diversidade social e cultural. Por outro, o descaso acabou gerando uma imagem negativa no imaginário da população, além de sobras espaciais e lugares ociosos que poderiam ser melhor aproveitados. No entanto, é preciso intervir de maneira delicada e consciente para que no processo de melhoria do espaço, não ocorra um processo de gentrificação, descaracterizando o Conic que conhecemos hoje. Neste contexto, o projeto reforça soluções que envolvem a participação da comunidade, o urbanismo tático e a arte urbana como orientações da regeneração urbana e da valorização do Conic por meio de intervenções interativas, estruturas temporárias, mobiliário urbano com reutilização de materiais e pinturas de pavimento e empenas, visando intervenções de baixo custo mas com grande impacto. Sendo um espaço de encontro, de criação artística, de engajamento social e político e de diversão e lazer, a ideia é transferir essas qualidades para fora, ou seja, virar o Conic ao avesso.

Metodologia
O trabalho começa com o estudo da história do Setor de Diversões Sul, os seus usos ao longo dos anos e as apropriações dos espaços, configurando o Conic que conhecemos hoje. Foram verificados recortes de jornais, trabalhos que tratam do tema e a opinião de pessoas para entender tanto a construção do imaginário do Conic na cidade quanto as suas verdadeiras problemáticas. A imagem de um lugar decadente e marginalizado, contraposta à de um lugar de diversidade cultural ajudou a traçar os conceitos nos quais o projeto se embasou, entre eles: Ocupe o Conic!, Faça-você mesmo!, Bora participar! e Plante Arte! A ideia de ocupar um espaço subutilizado ou com potencial pouco aproveitado aliado à nova forma de ver e intervir no espaço público por meio da participação dos usuários do Conic é o que orienta este trabalho. A abordagem utilizada inspirou-se em diversos trabalhos, entre eles, o Caderno Calafate, do coletivo Micrópolis (UFMG); o Manual de Mapeo Colectivo, do grupo Iconoclasistas (Argentina) que trabalham com mapeamentos experimentais que põem em relevo as potencialidades do bairro, na contramão dos diagnósticos urbanísticos que apontam somente as mazelas do espaço a serem resolvidas.Tratando-se de um projeto para um lugar tão polêmico como o Conic, foi importante entender a problemática que envolve a intervenção, tentando respeitar as contradições encontradas, no que se refere à implantação e à relação com a população existente. Para começar o projeto, foi necessário conhecer o lugar e o que ele pôde revelar, por meio da análise de aspectos físicos e seus usuários e suas ações no cotidiano, por meio da análise de aspectos socioculturais. A aproximação e a participação da comunidade do Conic permitiu entender, ainda, as verdadeiras necessidades e aspirações dos usuários, em um processo de baixo para cima. Foi a relação entre a comunidade e seu ambiente que definiu as intervenções que foram propostas.

O projeto, por sua vez, foi dividido em quatro diferentes momentos:

1 • Desenvolvimento do Guia de Bolso do Conic;
2 • Elaboração das diretrizes gerais de intervenção no Conic;
3 • Requalificação das praças e espaços públicos de acesso ao Conic;
4 • Requalificação dos espaços públicos do interior do Conic com o uso de estruturas temporárias e mobiliário flexível

Resultados
Nos diálogos estabelecidos e na pesquisa realizada, o que se percebe é por um lado um medo e um certo preconceito em relação do Conic e por outro, uma tentativa de combatê-lo. Ainda que a polícia considere o Conic como um dos lugares menos violentos da zona central, existe ainda a imagem de um lugar inseguro, principalmente para aqueles que não frequentam o Conic no dia-a-dia. Isto pode ser justificado pela sua arquitetura pouco convidativa, pelo pouco conhecimento que se tem do lugar, ou pela imagem disseminada pelos veículos de comunicação nos últimos anos.

Em virtude desta problemática, surge a ideia de criar um Guia de Bolso do Conic, que conta com imagens e conteúdo sobre a sua história, desde a concepção por Lucio Costa às apropriações atuais; além de dicas de quem frequenta o Conic e memórias de quem o frequentou. O guia colaborativo, elaborado em conjunto para valorizar a diversidade do Conic, tem a intenção de resgatar a sua memória e disseminar a imagem do Conic hoje, virada ao avesso.

O abandono, a má conservação e a falta de segurança, por sua vez, também comentados, seriam sanados por meio da requalificação do espaço físico a partir das intervenções sugeridas. A valorização das atividades realizadas no Conic e a criação de novas formas de lazer e cultura atrairiam mais pessoas para o seu interior, mantendo-o vivo e consequentemente, mais seguro.  Novos usos aos espaços que hoje apenas conectam o Conic aos demais setores foram propostos, refletindo aquilo que acontece no interior do Conic: parque para skatistas, cinema ao ar livre, espaço para shows e performances, mercado, hortas, bares, arte urbana, etc.

Após a apresentação do projeto para a comunidade, a adesão foi imediata, uma vez que a comunidade se enxergou no projeto. A colaboração na execução do mesmo, a partir das propostas de autoconstrução, criaria uma relação ainda maior entre o espaço e a comunidade, reanimando sentimentos de afeto e de cuidado com o Conic. Dadas as ferramentas para a comunidade, ela mesma pode se empoderar na tomada das decisões, transformando o projeto, uma vez que ele não é estático nem determinista. A repercussão do projeto foi muito positiva, apresentado no Ossubuco, Abramente e no 1º Congresso Internacional de Espaços Públicos em Porto Alegre (2015), premiado internacionalmente no concurso Reimagina la ciudad (2015) e selecionado pelo Archdaily Brasil entre os melhores TCCs do Brasil e de Portugal em 2016.

O lado B da W3 - Primeira Parte

Nara Cunha

A Avenida W3 nasceu juntamente com Brasília e, assim como a capital, sofreu alterações ao longo do tempo. Apesar de estar localizada no Plano Piloto, paralelamente ao eixo rodoviário, e ser seu maior corredor de transporte público[1], a avenida não é tratada como tal. Faltam espaços públicos acessíveis, arborizados e mobiliário urbano, o que gera muitas discussões em relação a sua caracterização e preservação. A parte sul, construída e ocupada primeiramente, apresenta habitações de um lado e comércio do outro. Já a W3 Norte apresenta configuração diferente: comércio de um lado e uma rua de serviços do outro. Esta rua, comumente chamada de “W3 e meia”, e seu entorno são o objeto deste projeto.  A área possui grande potencial, porém, suas características físicas e padrões espaciais não são adequados, o que dificulta sua apropriação pela comunidade. Assim, a partir de análises, escolheu-se um trecho da via localizado na “ponta” da Asa Norte, para se iniciar um modelo de requalificação das quadras 715 e 716 Norte por meio do processo participativo.

Tal processo foi de extrema importância para se conseguir entender a real demanda da comunidade local, além de levantar reflexão sobre uso, conservação e valor da “W3 e meia” para seus frequentadores. Para isso, durante o desenvolvimento do projeto, baseado na metodologia do grupo Periférico, foram utilizadas estratégias para o envolvimento comunitário e táticas urbanas, como o uso de painel interativo, questionários, piquenique comunitário, reunião com a comunidade com o jogo dos padrões e passeio guiado. Esta última atividade citada foi a primeira realizada, quando entrou-se   em   contato com   alguns membros da comunidade. Depois, juntamente com as análises morfológicas, os questionários foram elaborados e aplicados. Eles foram importantes para descobrir de forma mais direta e exata o que os representantes de várias partes pensam do local e o que almejam para ele, no total, 43 questionários foram aplicados. Em seguida, ao se perceber que os usuários da parada de ônibus não respondiam aos questionários por estarem com pressa, um painel interativo perguntando o que eles gostariam que existisse no espaço onde a parada de ônibus é localizada foi colocado na mesma. Durante as duas atividades com a comunidade, o piquenique e a reunião, obteve-se um diálogo mais profundo sobre as necessidades dos participantes e as características consideradas boas e ruins por eles, como tranquilidade, enchentes, segurança, estacionamentos, espaços de lazer, entre outros. Portanto, a aproximação da comunidade, além de ter sido fundamental para o desenvolvimento do projeto, ajudou também os participantes a conhecerem melhor seus vizinhos e olhar as características ambientais da “W3 e meia” de uma maneira diferente e direcionada.

Dessa forma, juntamente com o diagnóstico elaborado da área e seu entorno, o resultado foi uma proposta de requalificação da área em três escalas: a escala da via, a escala maior – da praça – e a escala dos espaços pequenos – becos, estacionamentos e espaços entre os prédios. Estes espaços foram percebidos através de análises de configuração morfológica e topoceptiva, pois formam uma repetição de elementos. Assim, o projeto visa melhorar a qualidade de circulação, aumentar a movimentação de pedestres, criar estruturas que possibilitem lazer e contemplação para a população, utilizar técnicas de infraestrutura ecológica para amenizar enchentes, embelezar os espaços públicos e deixá-los acessíveis para todos, sem que a “W3 e meia” perca sua identidade, para que a comunidade continue se identificando com a área.

Partindo dessas ideias gerais, para a escala da via, o projeto sugere nova “W3 e meia”, um espaço compartilhado entre todos os meios de transportes, e com elementos de acalmamento de trânsito (traffic calming), que também são elementos paisagísticos e de drenagem. Para a escala maior, onde há uma parada de ônibus muito utilizada e um grande espaço verde subutilizado, sugeriu-se a valorização de seu fluxo e dos usuários da parada, com maior cobertura para a espera do ônibus, mais quiosques do mesmo padrão dos que existem no local, além das atividades demandadas pela comunidade. Os espaços menores, em sua maioria, são de conexão, e, de acordo com a frequência de seu uso, foram propostos elementos para marcar e melhorar seu fluxo, além de pequenas intervenções de lazer e contemplação. Além dos resultados projetuais, os resultados com a comunidade resumiram-se na abertura de reflexão e diálogo sobre o que os frequentadores da “W3 e meia” querem para a via. Por fim, acredita-se que, com o diálogo e a participação da comunidade, é possível realizar uma proposta que atenda funcionalmente suas demandas, além de seu engajamento em relação à área.

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